Precisamos falar sobre Frida
Brasília, 05 de outubro de 2023
Amado Senhor,
Espero encontrá-Lo bem. Prometo não tomar muito do Seu precioso tempo. Sei que o Vosso trabalho anda cada vez mais complicado e desde já gostaria de parabenizá-Lo pelas maravilhas que o Senhor vem realizando. Adianto que a seguir não vai nenhum tipo de crítica ou desconfiança; longe de mim. Busco apenas alívio para uma aflição minha.
É sobre essa tal Frida Kahlo, a mexicana. Nos últimos dias andei estudando a história da famosa pintora e confesso que fiquei bastante intrigado com o que encontrei. Imagino que o Senhor já saiba o que vou Lhe contar, mas terei que fazer um pequeno resumo para que eu possa localizar exatamente onde está o que considero inexplicável.
O bebê nasceu com uma malformação congênita chamada espinha bífida. É uma doença rara, e o raro acontece pouco, mas não deixa de acontecer, do contrário não seria raro, seria impossível e nunca aconteceria. Isso eu entendi.
Seis anos mais tarde, porém, a mesma menina contraiu poliomielite, a paralisia infantil. Tanta gente no mundo e esse vírus covarde foi parar logo na espinha bífida da coitadinha da Frida. Achei um exagero, mas depois me informei melhor e descobri que todos os vírus agem dessa forma, eles aproveitam a fragilidade dos mais fracos para se instalarem. Por isso são chamados de oportunistas (eu continuo achando que eles não passam de uns covardes). Imagino que o Senhor tenha bons motivos para permitir algo assim. O fato é que a primeira doença facilitou a segunda.
Por favor, peço agora um pouco mais da Sua infinita paciência e uma atenção especial para o próximo parágrafo:
Aos dezenove anos, a jovem parecia ter superado a perda de força e o encurtamento na perna direita. Frida estudava, tinha amigos e até um namorado. Os dois faziam planos, quando o ônibus em que estavam colidiu com aquele bonde. (Agora vem o inexplicável). Algumas pessoas morreram, outras tiveram ferimentos leves. Frida sobreviveu, mas teve a pelve transfixada por um vergalhão de aço que atingiu a sua coluna bífida com poliomielite. A partir desse dia, dores, cirurgias, sequelas e abortos acompanharam a moça pelo resto de sua vida.
Não vou me estender mais, para poupá-Lo dos detalhes da conturbada vida conjugal de Frida e Diego Rivera. As primeiras novelas mexicanas certamente foram inspiradas neles. Direi apenas que ela teve que tolerar até a traição do marido com a sua própria irmã mais nova, Cristina. A meu ver, apesar de muito desagradável, essa tragédia familiar se torna menor quando comparada aos sofrimentos físicos que aquele absurdo acidente trouxe à moça.
Hoje, muitos dizem que os grilhões que acorrentaram Frida desde o seu nascimento serviram para despertar a sua liberdade artística, sexual e política. Ela mesma talvez tenha pensado assim quando disse: “Que faria eu sem o absurdo e o fugaz? ”.
O bebê nasceu com uma malformação congênita chamada espinha bífida. É uma doença rara, e o raro acontece pouco, mas não deixa de acontecer, do contrário não seria raro, seria impossível e nunca aconteceria. Isso eu entendi.
Seis anos mais tarde, porém, a mesma menina contraiu poliomielite, a paralisia infantil. Tanta gente no mundo e esse vírus covarde foi parar logo na espinha bífida da coitadinha da Frida. Achei um exagero, mas depois me informei melhor e descobri que todos os vírus agem dessa forma, eles aproveitam a fragilidade dos mais fracos para se instalarem. Por isso são chamados de oportunistas (eu continuo achando que eles não passam de uns covardes). Imagino que o Senhor tenha bons motivos para permitir algo assim. O fato é que a primeira doença facilitou a segunda.
Por favor, peço agora um pouco mais da Sua infinita paciência e uma atenção especial para o próximo parágrafo:
Aos dezenove anos, a jovem parecia ter superado a perda de força e o encurtamento na perna direita. Frida estudava, tinha amigos e até um namorado. Os dois faziam planos, quando o ônibus em que estavam colidiu com aquele bonde. (Agora vem o inexplicável). Algumas pessoas morreram, outras tiveram ferimentos leves. Frida sobreviveu, mas teve a pelve transfixada por um vergalhão de aço que atingiu a sua coluna bífida com poliomielite. A partir desse dia, dores, cirurgias, sequelas e abortos acompanharam a moça pelo resto de sua vida.
Não vou me estender mais, para poupá-Lo dos detalhes da conturbada vida conjugal de Frida e Diego Rivera. As primeiras novelas mexicanas certamente foram inspiradas neles. Direi apenas que ela teve que tolerar até a traição do marido com a sua própria irmã mais nova, Cristina. A meu ver, apesar de muito desagradável, essa tragédia familiar se torna menor quando comparada aos sofrimentos físicos que aquele absurdo acidente trouxe à moça.
Hoje, muitos dizem que os grilhões que acorrentaram Frida desde o seu nascimento serviram para despertar a sua liberdade artística, sexual e política. Ela mesma talvez tenha pensado assim quando disse: “Que faria eu sem o absurdo e o fugaz? ”.
Eu, porém, da minha humilde condição, não consigo concordar com isso. Para mim, uma alma como a de Frida não precisaria ser torturada para se libertar. Perdoe-me, Senhor, mas sou incapaz de encontrar justificativas para uma vida tão trágica nem no acaso; e eu procurei...
Tentei consolar-me no livro de Jó, mas não adiantou. Ninguém ali sofreu tanto quanto Frida Kahlo. Busquei Santo Agostinho, que me ensinou que a Sua graça é contingente, pois cabe somente ao Senhor decidir quando e a quem vai concedê-la. Porém, que eu saiba, o Santo Padre nada escreveu em relação a desgraça e, na minha humilde opinião, pelo menos a desgraça deveria ser distribuída de forma mais igualitária. A impressão que tive é que Frida ficou com todas só para ela. Se eu não fosse uma pessoa de fé, poderia jurar que isso nunca fez parte dos Seus planos.
Responda-me, Senhor. Não me deixe desconfiar que a Sua onipresença e o Seu amor não conseguem mais estar em todos os lugares do imenso universo que criou.
Responda e me perdoe.
Moisés Lobo Furtado
Tentei consolar-me no livro de Jó, mas não adiantou. Ninguém ali sofreu tanto quanto Frida Kahlo. Busquei Santo Agostinho, que me ensinou que a Sua graça é contingente, pois cabe somente ao Senhor decidir quando e a quem vai concedê-la. Porém, que eu saiba, o Santo Padre nada escreveu em relação a desgraça e, na minha humilde opinião, pelo menos a desgraça deveria ser distribuída de forma mais igualitária. A impressão que tive é que Frida ficou com todas só para ela. Se eu não fosse uma pessoa de fé, poderia jurar que isso nunca fez parte dos Seus planos.
Responda-me, Senhor. Não me deixe desconfiar que a Sua onipresença e o Seu amor não conseguem mais estar em todos os lugares do imenso universo que criou.
Responda e me perdoe.
Moisés Lobo Furtado
Um revés, talvez, na vida de Frida e que - acrescento mais um “talvez” -, “justifique” ao “Senhor” tantas agruras poderia ser sua arte.
ResponderExcluirSem motivo a arte fere muito ou, se não, muitas vezes é a cicatriz de uma ferida que sangrou bem antes de tornar-se objeto de orgulho, fruição, moda ou investimento… Seja como for, pode estar nessa obra gigante em todos os sentidos, desprezando-se a ignorância de quem vê a arte de acordo com a paleta de cores Pantone do arquiteto, imortal simbolicamente - tanto que estamos falando e, imagino, falaremos para sempre -, desta Frida Khalo, esposa de outro grande artista, este recentemente falecido, mas como é mesmo o nome dele? Diego Rivera! Sim, você falou, importantíssimo correspondente Mexicano de nosso Portinari, a retratar trabalhadores em sua lida e a mostrar a desigualdade de classes. Mas Frida segue improvavelmente (quero dizer contra todas as probabilidades) em outra nuvem do Valhala, com ar bem mais rarefeito, alta, sublime, intocável, mesmo pelas doenças dos homens…