Aula particular
No segundo semestre do curso estávamos empolgados com as aulas de anatomia e com as cirurgias experimentais do professor Tubino. Passávamos as noites de terças-feira auxiliando os veteranos em apendicectomias, ressecções intestinais e gastrectomias.
Os calouros eram os responsáveis pela dissecção venosa, sutura de pele e, claro, pelo preparo do corpo do cachorro, após a cirurgia. Antes do respirador ser desligado eram proferidas palavras de agradecimento e respeito ao animal sacrificado. A imagem das pulgas surgindo no meio da pelagem, abandonando o corpo frio do seu hospedeiro agora me assustam.
Domingo à tarde e eu com meu estojinho cirúrgico no chão da sala de TV, todo exibido suturando uma câmara de ar. Meu irmão mais velho se sentou no sofá para assistir ao jogo do Flamengo. Nessa época ele corria entre três empregos e nos finais de semana fazia um “bico” no posto médico da AABB, de onde tinha acabado de chegar.
José estava distraído, cochilou algumas vezes, não viu o gol do Zico e muito menos a simetria dos meus pontos; só despertou com a cabeçada do Rodinelli no final do jogo. Sempre foi bom ganhar do Vasco no último minuto.
Ele se levantou e já saía para o banho, quando deu meia volta e falou:
– Maninho, a mão tem que ser leve. Nunca deixe o paciente ouvir o barulho do porta-agulha se fechando. Ele não sabe o que está sendo esmagado.
Como quem não quer nada, o cronista vai passeando pelos vários temas, até que chega ao centro da crônica: a saudade do irmão! Para isso serve uma crônica. Basta sabê-la escrever.
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