Lições do poeta

               

 


                                                                                               Por Mario Quintana

 

Um poeta sofre três vezes: primeiro quando ele os sente, depois quando os escreve e, por último, quando declamam os seus versos.

Desconfia da tristeza de certos poetas. É uma tristeza profissional e tão suspeita como a exuberante alegria das coristas.

E o que há de mais triste nesses poetas de equipe é que eles naufragam todos ao mesmo tempo.

Escreveu Buffon que o cavalo é um nobre animal. Bobagem... Nobre animal é o poeta!

Nem me venham com essa de que não há nada mais previsível do que uma rima. Deem-se as mesmas rimas a diferentes poetas e de cada poeta brotará um poema diferente. Agora, se o rio do poeta não for lá muito piscoso — que culpa tem o anzol?

Repara como o poeta humaniza as coisas: dá hesitações às folhas, anseios ao vento. Talvez seja assim que Deus dá alma aos homens.

O modernismo, ou melhor, o verso-librismo libertou o verso, é verdade, mas não libertou o poeta.

... se as linhas do poema que você estiver fazendo “livremente” não se complementarem, se o todo não apresentar uma misteriosa unidade, o poema se desagrega. Tudo tem de estar interdependente, como num sistema planetário. O poema livre é um jogo de equilíbrio, prestes a desabar ao mínimo descuido do construtor.

Jamais acreditei em observação direta, principalmente quanto à criação poética. Os poetas que dizem tudo acabam não dizendo nada. Porque a poesia não é apenas a verdade.... É muito mais!

A Poesia é a invenção da Verdade.

A prosa não tem margens, nunca se sabe quando, como e onde parar. O poema, não; descreve uma parábola traçada pelo próprio impulso (ritmo); é que nem um grito. Todo poema é, para mim, uma interjeição ampliada; algo de instintivo, carregado de emoção. Com isso não quero dizer que o poema seja uma descarga emotiva, como o faziam os românticos. Deve, sim, trazer uma carga emocional, uma espécie de radioatividade, cuja duração só o tempo o dirá.

A única contemporaneidade que existe é a da contingência política e social, porque estamos mergulhados nela, mas isto compete melhor aos discursivos e expositivos, aos oradores e catedráticos. Que sobra então para a poesia? — perguntarás. E eu te respondo que sobras tu.

Achas pouco? Não me refiro à tua pessoa, refiro-me ao teu eu, que transcende os teus limites pessoais, mergulhando no humano. O Profeta diz a todos: “eu vos trago a Verdade”, enquanto o poeta, mais humildemente, limita-se a dizer a cada um: “eu te trago a minha verdade”. E o poeta quanto mais individual, mais universal, pois cada homem, qualquer que seja o condicionamento do meio e da época, só vem a compreender e amar o que é essencialmente humano. Embora, eu que o diga, seja tão difícil ser assim autêntico. Às vezes assalta-me o terror de que todos os meus poemas sejam apócrifos.

Às vezes uma palavra, uma frase ouvida, uma repentina imagem que me ocorre em qualquer parte, nas ocasiões mais insólitas. A esta imagem respondem outras. Por vezes uma rima até ajuda, com o inesperado da sua associação: (Em vez de associações de ideias, associações de imagens; creio ter sido esta a verdadeira conquista da poesia moderna.) Não lhes oponho trancas nem barreiras. Vai tudo para o papel. Guardo o papel, até que um dia o releio, já esquecido de tudo (a falta de memória é uma bênção nestes casos). Vem logo o trabalho de corte, pois noto logo o que estava demais ou o que era falso. Coisas que pareciam tão bonitinhas, mas que eram puro enfeite, coisas que eram puro desenvolvimento lógico (um poema não é um teorema), tudo isso eu deito abaixo, até ficar o essencial, isto é, o poema. 

Um poema tanto mais belo é quanto mais parecido for com um cavalo. Por não ter nada de mais nem nada de menos é que o cavalo é o mais belo ser da Criação.

Mas, da mesma forma que a gente primeiro aprendia nos cadernos de caligrafia para depois, com o tempo, adquirir uma letra própria, espelho grafológico da sua individualidade, eu na verdade te digo que só tem capacidade e moral para criar um ritmo livre quem for capaz de escrever um soneto clássico.

Agora, que poetas deves ler? Simplesmente os poetas de que gostares e eles assim te ajudarão a compreender-te, em vez de tu a eles. São os únicos que te convêm, pois cada um só gosta de quem se parece consigo. Já escrevi, e repito: o que chamam de influência poética é apenas confluência. Já li poetas de renome universal e, mais grave ainda, de renome nacional, e que no entanto me deixaram indiferente. De quem a culpa? De ninguém. É que não eram da minha família.

O verdadeiro epicurista  embriaga-se com um copo d’água. O verdadeiro poeta faz poesia com as coisas mais simples e corriqueiras deste e dos outros mundos.

Tudo já está nas enciclopédias e todas dizem as mesmas coisas. Nenhuma delas nos pode dar uma visão inédita do mundo. Por isso é que leio os poetas. Só com os poetas se pode aprender algo novo.

Jamais deves buscar a coisa em si, a qual depende tão somente dos espelhos. A coisa em si, nunca: a coisa em ti. Um pintor, por exemplo, não pinta uma árvore: ele pinta-se uma árvore. E um grande poeta — espécie de rei Midas à sua maneira —, um grande poeta, bem que ele poderia dizer:  – Tudo o que eu toco se transforma em mim.

Mas por que datar um poema? Os poetas que põem datas nos seus poemas me lembram essas galinhas que carimbam os ovos.

O poeta e a menina : Hoje ganhei o meu dia. Porque uma meninazinha me perguntou: “O senhor pode me botar uma dedicação neste livro? ” Escrevi, então, sinceramente: “Para a Heloisa Maria, com toda a minha dedicação. ” E assinei. E datei, com tristeza.

O comum dos homens só se interessa pela sua própria pessoa, mas o poeta só se interessa pelo seu próprio eu.

Maltratar os poetas é indício de mau caráter.

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