Volta às aulas


                 

            “Um verdadeiro amigo te apunhala pela frente”. Depois que me deparei com a citação do genial Oscar Wilde na revista do salão da barbearia, fiquei insuportável. Coitados dos meus amigos; não tiveram vida fácil comigo. Sentia-me no direito e no dever de alertá-los sobre a maneira como conduzir suas vidas. Uma espécie de suicídio social.

– Não acredito que você fez isso de novo, Manel.  Aceitou o convite e, mais uma vez, deixou todo mundo te esperando. Veja bem!  A má educação é o que menos importa aqui. Na verdade, isso que você fez foi pura má-fé. Você não tomou a decisão.

Pronto! Após este ataque inicial, eu emendava com os meus limitados e bem ensaiados conhecimentos sobre o existencialismo. Explicava que essa má-fé não era com o outro, mas consigo mesmo e que o homem deve ser o principal responsável pela sua vida, não permitindo que as contingências definam suas escolhas. 

Por fim, com aquele olhar perdido no horizonte, eu concluía dizendo que todos nós estávamos condenados a liberdade. Claro que a estratégia funcionava melhor em mesas de bares, depois de algumas cervejas, onde não se costuma esticar muito este tipo de conversa.

 "Aqui se faz e aqui se paga." O comunicado da amiga professora sobre o curso de crônicas me pegou desprevenido. Era um interesse antigo que me reencontrou com tempo livre, dinheiro e vontade. Tudo parecia perfeito, mas quem disse que isso basta.

 Mostrei um interesse vago, para logo em seguida tentar escapar, dizendo que iria viajar em junho. Solange não desistiu, me disse que o curso terminaria ainda no final de maio. Exigi  acessibilidade, certo de que minhas novas limitações físicas me livrariam do compromisso. Estava tudo perfeito, o estacionamento era ao lado e não haviam escadas. 

Mesmo assim fiz o ritual completo. Deixei em aberto até última hora, com aquela conversinha mole de quem vai enrolar, exatamente como o Manel faria. O sagrado interrompeu a minha fuga. Percebi que não poderia escapar de um compromisso que se iniciaria justo no dia dezessete de abril, aniversário do meu finado pai. Eu ainda temia a magia das coincidências.

Cheguei cinco minutos atrasado, encontrei novos e velhos amigos, andei pela escola e na hora da apresentação, pedi para ser o primeiro, estratégia anti-ansiedade que vinha adotando nos últimos tempos. Seria um terrível “primeiro dia de aula”, não fosse por uma inesperada novidade: foi maravilhoso. Até a merenda estava ótima.  Aquela sensação de estar no lugar certo, na hora certa que só acontece nos raros momentos em que a mente realiza o que a alma pede. Que alegria!

Bom, agora estou eu aqui tentando eleger um fato para fazer o meu primeiro dever de casa. Confesso que disso eu não tinha tanta saudade. Passei a semana atento, flanando pelas ruas a procura de possíveis candidatos. O aniversário de Brasília, o último escândalo da política, a queda do viaduto. À medida que os dias foram passando, não tive mais dúvida. O fato mais importante da minha semana e dos últimos anos, foi a minha volta à sala de aula.

 Termino hoje, portanto, esta minha primeira tarefa na data limite, como sempre fiz. Guardei uma última revelação para encantar o desfecho com emoção. A minha primeira crônica, ou seja lá o que isso for, é um presente.

– Feliz Aniversário, minha mãe!

 

                                    Moisés Lobo Furtado                         24/04/2018

Comentários

  1. Ótima crônica, que tem início com um soco no estômago! O ritmo é alucinante!

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