A janela


O rapaz caminhava apressado em direção ao ponto de ônibus sob à chuva fina iluminada pelos faróis dos carros. O próximo ônibus para o Novo Gama passaria em quinze minutos. Precisava chegar em casa antes das dez; prometeu assistir à final do campeonato com o filho.
         Após atravessar a avenida W3, porém, o jovem percebeu que havia deixado uma das luzes do escritório acesa. Subiu correndo pelas escadas do prédio, abriu o quadro de energia do andar e desligou a chave geral. Quando preparava a meia-volta, ouviu:
        – Epa!!! Quem apagou a luz? Quem está aí? – O grito vinha da sala do diretor.
        – Ah meu Deus! Desculpa senhor. Pensei que todos já tinham ido.
        –Pensou? Pensou? Era a só o que me faltava. Por causa desse seu pensamento eu perdi todo o meu dia de trabalho. Qual o seu nome, menino?
         – É João, senhor. Foi sem querer. É que sempre sou o último a sair... mas consigo recuperar o seu arquivo. Não se preocupe.
         – Ah! Você é o novo técnico de informática, né? Pelo menos isso. É cada um que me aparece...
        A van clandestina veio lotada, cortando o temporal que ensaboava a rodovia. João ouvia o jogo pelo celular do passageiro ao lado, mas cochilou antes do segundo gol do Flamengo.
         Em casa, Dudu dormia no sofá com a camisa do Gabigol, quando Maria saiu correndo da cozinha e colocou uma colherada quente na boca do marido.
         – Experimenta! Diga se esse não é o melhor brigadeiro do Brasil.
         – É o melhor do mundo, benzinho.
        Mas o cansaço embotava o paladar e a fome de João. Deu um beijo morno na esposa, tomou um banho gelado e deitou-se ao lado da filha. Betina já ocupava metade da cama. “Tenho que fazer logo esse puxadinho”, dormiu.
        Quatro horas mais tarde, o café já estava na mesa e Maria se digladiava com os cabelos e os dentes sonolentos dos filhos. A família tinha que caminhar unida até o ponto de ônibus. A escuridão e a lama facilitavam a covardia dos últimos marginais que vagavam pelas ruas a procura de algo que lhes sustentassem os vícios.
        Enquanto os passageiros aproveitavam o balanço para recuperar o sono, João e as crianças brincavam com os primeiros raios de sol que entravam pela janela, projetando cores e sombras no teto do ônibus. Era o maior tempo que ele tinha com os filhos.
         Maria desceu antes, deixou as crianças na escola e foi para a estação do metrô, onde montava a sua mesa de quitutes. A renda extra ajudava nas contas da casa, mas não era suficiente. João precisava fazer bicos nos finais de semana. A esposa se preocupava, o marido nunca foi de falar muito, mas o seu sorriso estava mais raro.
         João fez o curso de informática do Senac, enquanto era servente de pedreiro. Saía da obra direto para a aula. Foi um dos melhores alunos da sua turma, sendo logo contratado pela empresa de contabilidade em que fez o estágio final. Em alguns meses ele se tornou uma peça fundamental na firma. Mantinha as máquinas funcionando, criava soluções rápidas e eficientes.
        Antes do que pôde, casou-se com Maria, a primeira namorada. Conheceram-se no forró do Itapoã. Ela lhe ensinou a dançar. O programa do governo ajudou no financiamento da casa no entorno da capital. Era distante do centro de Brasília, mas lhe disseram que o metrô de superfície sairia em breve. Quando os filhos vieram, Maria teve que abandonar a firma de limpeza e a carteira assinada.
        Chegando no escritório, João foi avisado que o diretor queria ter uma conversa com ele no final do expediente.
       – Era só o que me faltava...
       O rapaz trabalhou o restante do dia calculando por quanto tempo conseguiria sustentar a família com o fundo de garantia e o seguro desemprego. Teria que devolver a casa e voltar para o aluguel. Mas um estranho alívio acompanhava o desespero. A exaustão nublava seus pensamentos.
        Pouco antes das seis da tarde João entrou na sala do diretor, cabisbaixo. O chefe da informática já estava sentado próximo a cadeira do diretor e parecia que estar de acordo com a decisão do chefe. João aguardou em pé. Não foi convidado a se sentar.
        – A crise do país não está fácil. Teremos que fazer algumas mudanças para continuarmos no mercado – iniciou o diretor, enquanto olhava para o quadro pendurado na parede atrás de João.
         Em seguida, o homem se levantou e foi para janela do escritório. Chovia forte e os postes já estavam acesos. Ele gostava de ver as últimas chuvas, antes da seca prolongada que castigava a cidade todos os anos. Continuou:
       – Mas é nesses momentos que precisamos ser ousados. Teremos que fazer alguns sacrifícios e ajustes, para o bem da empresa. 
        João esperava pelo pior e a sua vontade era de sair correndo dali, quando o chefe finalmente se virou para dentro da sala, fixou o olhos no rapaz que mal conseguia se manter de pé e concluiu:
       – Estamos com muitos clientes na região do Gama e decidimos abrir uma filial lá.
Precisamos de alguém para organizar o serviço de informática do novo escritório. O aumento de salário não vai ser grande, mas vai dar direito a um carro da empresa. Você sabe dirigir, menino?
         Atordoado, João demorou alguns minutos para acreditar no que acabara de ouvir. Precisou se sentar para responder, gaguejando:
        – Não sei dirigir, não senhor. Mas aprendo rápido e tenho certeza que posso ajudar. O senhor não vai se arrepender. Muito obrigado! – João sorriu.

  14/04/2020

 

Comentários

  1. O suspense do conto é tudo. Até o final não se sabe se o fim será ou não feliz. Adoro finais felizes. Parabéns, amigo.

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    1. Sim, Anna. Até a vida nos traz surpresas simpáticas, imagina os contos.

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  2. Muito legal. Já estava com pena do João.

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