Laranjas


 

      O matuto descasca laranjas no alpendre, zangado. Demora quinze minutos para esbrugar a primeira. Caprichou, não feriu a fruta uma única vez. Bebe tudo e mastiga o bagaço, orgulhoso. 

      O horizonte vive se tremendo no novembro do Piauí. A quentura é tanta que nem as árvores se mexem. Até a sombra se esconde depois do almoço. 

      Pega mais uma fruta na bacia de alumínio, repete o ritual com a mesma obsessão e morde mais forte para esganar a vergonha. No final da segunda banda, o fastio se inicia; desiste do bagaço.

Valente, esfola a terceira laranja sem errar, mas a cirurgia termina junto com a fome. Mesmo magoado, não aceita deixar a fruta e o trabalho se perderem. 

– Tonha! Você quer laranja? Tá geladinha. 

– Me larga de mão, Zé. Cê num vê que tô descansando? , gritou a voz da esposa dentro do quarto. 

           Desolado, sem saber o que fazer, Zé olha para a laranja partida, hesita, mas se rende. 

– Pois pergunta pra esse nojento se ele quer.

                                                                                 31/01/2021

 

                                          

Comentários

  1. O ritmo do texto acompanha a preguiça do matuto. Muito bom, Moisés!

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  2. Moi, como você encerrou bem o primeiro mês do ano, que mensagem linda, leve e cheia de pureza. Obs: fiquei em dúvida com a data. Um grande abraço do Carlim.

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    1. Já corrigi, Carlin. Obrigado. Essa prosa saiu do forno agora.

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  3. Gostei da imagem da sombra escondendo-se depois do almoço, de tanta quentura. Muito rica. Parabéns!

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  4. Bem descrita a paisagem e a bacia de alumínio, muito característica. Descascar a fruta sem ferir é quase uma arte, resta saber se o nojento quis...

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