Ana Cora Coralina


                           
        Aninha nasceu em 1889, Cora 14 anos depois; faziam parte da mesma pessoa. Ana Lins dos Guimarães Peixoto já entrou na vida subtraída do pai e da caçulice. Os poucos anos de estudo e o pior lugar entre as mulheres da família, na decadente casa velha da ponte, foram suficientes para enriquecer sua infância e forjar sua vontade.
        Adolesceu na Fazenda Paraíso entre árvores, bichos e rio. Da paixão pela terra veio a necessidade de contar o que via. Ali surgiu a escritora Cora Coralina. Os primeiros escritos são publicados nos jornais e revistas da Cidade de Goiás. A amarela moça feia brilhava nos recitais de encontros literários. Lá decidiu se encantar pelo ciúme de Cantídio Bretas, advogado paulista bem formado, mal desquitado e vinte dois anos mais velho.
        O namoro curto, a gravidez gemelar e o passado do noivo não cabiam na pequena cidade. Ana, Cora, a barriga e Cantídio ganharam o mundo no galope de um corcel negro.
        Em Jaboticabal a moça perdeu dois filhos, criou quatro, plantou árvores, participou de jornais e construiu um asilo. Em 1927 deixou a cidade e o nome de Cora na estação de trem. 
         Já havia se mudado para a capital do estado para melhorar os estudos dos filhos, quando a morte resolve lhe tirar o marido e o sustento. Ali Ana descobre a força do seu trabalho e resolve não se cansar.
        Em Penápolis, abriu a loja de tecidos Borboleta, organizou a associação dos comerciários e entrou para Ordem Terceira de São Francisco. 
        Aos cinquenta anos, Dona Ana decidiu não ter medo e viu uma boa chance na área de ocupação pioneira de Andradina. A mulher terra se reencontrou com a natureza no Sítio da D. Cora, o mais respeitado pouso de boiadas da região.
        Aos sessenta e seis anos, a Sra. Ana Lins é convocada a testamentar sua herança em Goiás. Resistiu o quanto pôde, sabia do risco, mas a alma não lhe deu opção. Deixou filho, filhas, genros, netos e bisnetos prontos; foi só, para não voltar.
        “Vestida de cabelos brancos” caminhou pelas ruas de pedra, molhou os pés nas águas ensaboadas do Rio Vermelho, atravessou a Ponte da Lapa, entrou na velha casa da infância, encontrou Aninha dormindo e Cora desperta, a sua espera.        Vendeu doces, escreveu livros, ganhou prêmios e recomprou sua herança. A moça feia da casa da Ponte da Lapa se fez uma velha linda e corajosa.
        As palavras de Cora Coralina falam do que viveu, não conseguem inventar. Elas têm a força do olhar faminto de quem amou existir e a doçura simples dos que sabem servir; testemunham os interiores de um país gigante e de uma alma ainda maior.

                                                                       30/07/2020

Comentários

  1. Cheguei a publicar esta minibiografia em meu blog e o sucesso foi estrondoso, elogios de todos os lados. Moisés simplifica e embeleza o texto ao mesmo tempo. Gostoso de se ler.

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  2. Biografia em prosa poética! Não pode haver melhor homenagem a Cora Coralina.

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