A entrevista de Alice


    
       – Desculpa. Qual é mesmo o seu nome?
          – Alice.
          – Não diga! Quantos anos você tem, Alice?
          – Vinte três.
          – Então vamos lá. O que você fez nesse último ano?  

          Não sei onde eu estava com a cabeça quando aceitei esse emprego. Só um maluco para sair pelo mundo a procura de "Alices verdadeiras". Fazia cinco anos que eu estava na empresa de um bilionário excêntrico que teimava em acreditar que o nosso planeta só poderia ser salvo por um exército de Alices do País das Maravilhas.
        As últimas estimativas da firma indicavam que para cada cem milhões de meninas avaliadas, apenas uma preenchia os critérios de uma autêntica Alice. Seria mais fácil encontrar o próximo Dalai Lama. 
        Dessa vez o chamado veio de Brasília. Tive que me matricular num curso de escrita para poder encontrá-la sem levantar suspeitas. A professora do curso, também funcionária da nossa empresa, havia constatado que uma das participantes merecia ser avaliada.
        Na primeira aula, simulamos uma atividade em duplas de alunos para que eu pudesse iniciar o meu trabalho. Entrevistaríamos um ao outro para, logo em seguida, escrever um texto livre sobre o tema.  Alice me entrevistou de maneira rápida e objetiva, fazendo muitas anotações. Ela tinha cabelos azuis. 

           – Esse ano foi muito tenso e exaustivo pra mim – respondeu a menina. 
           – Foi mesmo, Alice? Por que?
           – Ah! Foi meu último ano da faculdade de Sociologia e eu tinha muitas dúvidas sobre o meu futuro.
              Aí está ele. Nosso bom e velho Coelho Branco ataca novamente com seu reloginho apressado.
           – O final do curso é tenso mesmo, mas o que te preocupava mais? – Perguntei.
           – Eu não sabia para onde ir. O acesso à pós-graduação era bem mais difícil do que eu imaginava e, pra piorar, eu não estava certa de que era isso o que eu queria.
          A menina se deparou com uma porta pequena demais. Nada tão incomum para sua idade, mas me fez lembrar da fala do Chapeleiro Maluco: “Alice, você já percebeu que você está sempre muito grande ou muito pequena, nunca do tamanho certo? ”
          – O que você fez pra achar a resposta? – Essa era uma das perguntas-chave do nosso questionário.
          –  A primeira coisa que fiz foi adotar um novo gato.
          – Como assim? Você já tinha um gato?            
          – Sim, mas o Cherí estava ficando triste e obeso. Frido deu uma animada na casa.

Opa! Poucas pessoas sabem que quando os gatos sorriem tudo fica mais claro. Um ponto para ela, mas não podíamos nos precipitar. Tínhamos um protocolo a seguir.

– Alice, mas o que você fez nesse ano, que te deixou tão cansada?

– Ah! Fiz um estágio numa escola de ensino fundamental.
– Sei. Taí uma coisa cansativa. Eles são terríveis, né?

Nessa hora os olhos da menina brilharam. Também eram azuis.

– Não, foi maravilhoso. Me cansei porque não queria mais sair de lá. Fiquei apaixonada pela magia da alfabetização. Nunca pensei que eu fosse gostar tanto de trabalhar com crianças. A escola era muito legal.

 – Nossa! E que escola é essa?
– Eu estudei lá quando pequena. Se chama "Vivendo e aprendendo". Os pais e os professores trabalham juntos na administração da escola, que tem uma proposta construtivista baseada na liberdade criativa e no respeito às diferenças. Muita aula ao ar livre, teatro, música, pintura...

 Ela falaria por mais uma hora, se a professora não nos interrompesse para que iniciássemos nossos textos. Mas eu ouvi o suficiente.  A menina voltou a antiga escola para encontrar o seu novo caminho. Quando o Coelho Branco pergunta o quanto estamos dispostos a descer dentro da toca para solucionar os nossos conflitos, temos que ter muita coragem para ir até o fundo.

Nem eu estava acreditando. A jovem de Brasília preencheu todos os requisitos da minha lista: sabedoria, intuição, criatividade, coragem e, principalmente, bons amigos imaginários. No entanto, para fechar o nosso diagnóstico, precisávamos constatar um grande talento, um dom. Tudo indicava que teríamos que observá-la por mais alguns dias, mas Alice me assustou definitivamente.
Ao ler o texto que fez sobre o meu último ano ela nos encantou a todos com palavras, versos, prosa, música e, principalmente, uma verdade que nem mesmo eu sabia ter vivido. Naqueles poucos minutos a moça leu a minha alma.
A lagarta estava certa: a espada sabia o que fazer, quando estava nas mãos certas. 
Assim encontrei a minha primeira Alice de verdade. O ensino será a sua primeira missão, mas a caneta sempre saberá o que fazer enquanto estiver em suas mãos.

Boa sorte, Alice!

Salve-nos.                                                                                  24/04/2019                   
           

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