Mais cristã impossível
Segunda-feira, não suporto mais o cheiro desse pronto-socorro e esse governo filho da puta vive inventando leis para adiar a minha aposentadoria. Talvez os pacientes não mereçam a minha falta de energia e o meu cansaço. Que se danem. Nunca fui muito melhor mesmo. A insegurança e a falta de experiência do início da carreira me davam medo, só isso. Precisei demonstrar uma empatia que nunca tive para não perder o emprego no estágio probatório. Burra eu nunca fui.
Ser uma boa aluna e passar no vestibular de medicina, nada tem a ver com a indiferença que tenho pelo sofrimento dos outros. Em nenhum momento da minha formação me exigiram compaixão. Provavelmente pensaram que ela seria óbvia numa profissional de saúde mulher, mas não é. A vulnerabilidade que a doença gera nas pessoas me causa nojo e os meus pacientes nunca puderam contar comigo para diminuir qualquer rastro de fragilidade infantil. Não alimento esperanças vazias e irreais. A ciência e as estatísticas não mentem, eu também não.
Não estou ali do outro lado da mesa do consultório para confortar ou aliviar. A vida nunca fez isso comigo, nem com ninguém. Todas as pessoas que tentaram me ajudar soaram-me falsas ou estúpidas, inclusive os meus pais evangélicos. O ser humano precisa enxergar o ridículo que é viver num mundo tão absurdo. As doenças e a morte não são a pior parte da história. O mais patético é viver na ilusão que estamos aqui para aprender, crescer e criar, enquanto a destruição, ela sim, não dorme. A doença é só mais uma prova disso. Ela está lá o tempo todo, só esperando o vício, a queda ou o desgaste. A morte também pulsa.
Meu ex-marido se encantou pela minha amargura. Deve ter pensado que era um charminho bobo e passageiro. Pior, deve ter pensado que podia me curar, como alguns outros tentaram antes. Pobre coitado. Quando viu que o buraco era mais embaixo e que eu falava muito sério quando lhe disse que não iria ter filhos, o imbecil saiu correndo. Melhor pra ele. Fugiu a tempo de encontrar uma carolinha que lhe deu um lar burguês cheio de criancinhas catarrentas. Nem trepar direito aquele santinho do pau oco sabia. Vivia com medo de me machucar.
Médicas como eu são necessárias. Alguns pacientes precisam de mim. Infelizmente não são muitos os que estão prontos para lidar com a realidade de forma madura. Por isso nunca consegui largar os gemidos e as secreções fétidas desses malditos plantões. Os que me procuram nas consultas particulares sabem que eu não minto e assim conseguem programar o pouco da vida miserável que lhes resta. Quando vejo que não há o que fazer não fico pedindo exames caros e desnecessários nem prescrevo placebos ou indico cirurgias inócuas. No fim das contas, eu os trato como gostaria de ser tratada. Mais cristã impossível, logo eu. Quem diria?
Não estou ali do outro lado da mesa do consultório para confortar ou aliviar. A vida nunca fez isso comigo, nem com ninguém. Todas as pessoas que tentaram me ajudar soaram-me falsas ou estúpidas, inclusive os meus pais evangélicos. O ser humano precisa enxergar o ridículo que é viver num mundo tão absurdo. As doenças e a morte não são a pior parte da história. O mais patético é viver na ilusão que estamos aqui para aprender, crescer e criar, enquanto a destruição, ela sim, não dorme. A doença é só mais uma prova disso. Ela está lá o tempo todo, só esperando o vício, a queda ou o desgaste. A morte também pulsa.
Meu ex-marido se encantou pela minha amargura. Deve ter pensado que era um charminho bobo e passageiro. Pior, deve ter pensado que podia me curar, como alguns outros tentaram antes. Pobre coitado. Quando viu que o buraco era mais embaixo e que eu falava muito sério quando lhe disse que não iria ter filhos, o imbecil saiu correndo. Melhor pra ele. Fugiu a tempo de encontrar uma carolinha que lhe deu um lar burguês cheio de criancinhas catarrentas. Nem trepar direito aquele santinho do pau oco sabia. Vivia com medo de me machucar.
Médicas como eu são necessárias. Alguns pacientes precisam de mim. Infelizmente não são muitos os que estão prontos para lidar com a realidade de forma madura. Por isso nunca consegui largar os gemidos e as secreções fétidas desses malditos plantões. Os que me procuram nas consultas particulares sabem que eu não minto e assim conseguem programar o pouco da vida miserável que lhes resta. Quando vejo que não há o que fazer não fico pedindo exames caros e desnecessários nem prescrevo placebos ou indico cirurgias inócuas. No fim das contas, eu os trato como gostaria de ser tratada. Mais cristã impossível, logo eu. Quem diria?
Moi!
ResponderExcluirEu também sou cristão, não gosto de mentir, mas sempre procuro encontrar uma forma suave de expor as realidades dentro da minha especialidade!
Grande abraço!
Carlin, você é um médico-anjo, um duende.
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