Mindinho
Tenho a mania estranha
de esticar o braço e ficar olhando para a mão espalmada contra o teto, quando
estou deitado. Faço isso geralmente antes de dormir ou no meio da insônia; uma dessas esquisitices que começam na infância e não desaparecem.
Em um desses devaneios,
encontrei uma relíquia na minha mão esquerda. Meu dedo mindinho ainda é um menino pequeno, frágil e gordinho; meio bobo, sem manchas, sem
força. Até a unha pequenina e mal cortada mantem a forma pueril da criança que fui.
Fiquei impressionado com o achado, e feliz. Afinal, descobrir que parte de mim ainda mantem alguma jovialidade é um presente inestimável, agora que a decrepitude começa a morder mais forte.
O dedinho da outra mão
teve uma vida mais difícil. Ainda garoto, foi espremido por uma porta de
elevador de ferro que lhe bordou uma cicatriz em volta na última falange. Além
do trauma estrutural, ele teve o infortúnio de nascer na mão que trabalha; fez
mais força, abriu latas, apertou mãos, rodou chaves, segurou raquetes, garfos,
bisturis e escovas de dentes.
O excesso de adrenalina
e radicais livres deixaram marcas na pele e na alma do coitado. Hoje ele
convive com a perda de firmeza e não consegue executar todas as tarefas que aprendeu. São visíveis os sinais de cansaço e até de uma
certa melancolia. Está velho.
Do
outro lado, em compensação, o meu mindinho canhoto está no auge. Vem conquistando força e protagonismo
no aprendizado do cavaquinho, depois que o seu hospedeiro se aposentou. O professor me assegurou que o dedinho, quando bem adestrado, é o mais rápido de todos. Hoje
ele faz exercícios todos os dias, ganhou calo, autoestima, foto e até uma crônica. Tá
todo exibido.
28/02/2021

Moisés e/ou querido Moi, quanta pureza, simplicidade e beleza, nesta crônica dos seus mindinhos. Acho que você foi perfeito ao descrevê-los, como se descrevesse a evolução e involução do nosso ser, ao longo da vida ou da nossa percepção como tal. Um grande abraço do amigo Carlinhos.
ResponderExcluirMuito obrigado, Carlin. Ache suas relíquias.
ExcluirBelíssima crônica, humana, singela, plena de sentimento. Muito bem escrita, o que é o melhor!
ResponderExcluirIsso mesmo, amigo querido. O bom é procurar o jeito melhor da estoria caber no papel.
ExcluirMoisés, que texto legal! Adorei a narrativa! Gostei de conhecer mais este talento! Parabéns! Irei acompanhar seu blog! Abração e cuidado com as portas de elevador por aí!
ResponderExcluirObrigado, Léo. Vou tentar conciliar as duas carreiras. Quem sabe um dia consigo colocar palavras nas suas canções?
ExcluirRealmente, inspirador! Que significância tão escondida! Pura beleza! E, seguindo a atenção de nosso Mestre Cavaquinhista, Léo Benon, eu acrescentaria o cuidado com cortadores de grama. Parabéns!
ResponderExcluirRsrs. Nem grama eu tenho aqui. Meu maior risco são com as cebolas. Obrigado, Henrique.
ExcluirAdoooorei Moises! Parabens pro seu mindinho canhoto. Ele provou que é um bom menino e foi dedicado. Mas mesmo o outro sendo mais "idosinho" e experiente nao deixe ele ficar com ciumes pois pode se sentir rejeitado e ficar tristinho ... kkk.
ResponderExcluirTem perigo não, Pat. O bicho é vaidoso também. Já está reagindo.
ExcluirAdorei esta tb! E adorei mais ainda o fato de você estar tocando cavaquinho! Quem sabe algum dia tocaremos juntos?!...
ResponderExcluirObrigado, Lana. Quando a pandemia acabar a gente começa os ensaios.
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